“O que eu amo na Nicole. Ela deixa as pessoas à vontade mesmo em situações constrangedoras (…) Escuta mesmo quando alguém fala (…). Às vezes escuta muito até demais“.
Com a narração acima começa o filme História de um Casamento (=Marriage Story, 2019), um dos indicados ao Oscar 2020 e premiado por melhor atriz coadjuvante para Laura Dern, no papel de advogada de Nicole.
Alerta de spoiler – A seguir comentarei cenas do filme que revelam o desfecho.
As cenas iniciais parecem uma declaração de amor. Na realidade, as palavras ditas fazem parte de uma tarefa solicitada por um psicólogo, na qual cada cônjuge deveria escrever uma lista de atributos do outro. A finalidade seria ajudar ambos a estarem preparados para o divórcio, o qual se concretiza no decorrer do filme. Embora as motivações de Nicole para se separar do marido sejam relevantes, não há como não torcer para que o final feliz tivesse acontecido, por meio de conversas e ajustes entre os dois.
Por que o filme me chamou atenção e me fez torcer por eles? Primeiro, porque uma das primeiras qualidades ditas sobre Nicole por seu marido Charlie e que faltou no casamento dos dois artistas foi a escuta. Sempre ceder ao invés de negociar, ou repetidas vezes impor ao invés de escutar afastou o casal de uma relação que poderia ter sido ajustada.
O divórcio é sempre uma solução para um relacionamento desgastado. Pode ser, inclusive, a melhor alternativa para um futuro mais digno e feliz para cada um. Mas, antes desse desfecho é importante trabalhar as conversas. Nessa perspectiva, a escuta ativa, uma habilidade que nós coaches precisamos trabalhar em nós mesmos para a efetividade do processo de Coaching e, ainda, estimular os coachees a utilizarem, foi descartada várias vezes até pela própria protagonista. No momento de conversar com o mediador e apresentar a lista de qualidades do seu marido, ela preferiu não falar. Também optou por não ouvir a lista elaborada pelo seu esposo e, simplesmente, sair da sessão.
No matrimônio é comum que as conversas se desgastem e se transformem em discussões e ofensas, porque os casais muitas vezes não querem se ouvir, mas apenas definir a discussão para um ganhar e outro perder, como se houvesse um vencedor, um campeão em brigas. Na realidade, ambos sempre perdem. Perdem a calma, a paciência, a sabedoria, o respeito, o autorrespeito e sabotam as possíveis soluções com futilidades, arrogância, vaidade; um desejo de não entender o outro, mas, ao contrário, se prender em suas próprias e frias convicções e troca de ofensas.
No filme, o mediador durante a sessão, ainda argumenta: “Eu só acho que vai ser uma pena vocês não escutarem as maravilhas que o outro escreveu…”. Charlie relembra a esposa: “Prometemos escutar“. Mas, essa característica que foi valorizada na esposa pelo marido de Nicole, no início do filme, não existia mais naquele consultório. Ela já estava magoada demais por se sentir desvalorizada, pequena, sem importância, diminuída – “minha opinião nunca foi pedida… ele me ignorava” (ela comenta em outra cena).
Mas, ao invés dos diálogos serem estabelecidos ao longo do filme, o processo de escuta só se deteriora. Em vários momentos quando ainda seria possível a conversa amigável; os julgamentos, a raiva, a mágoa, a decepção, a vulnerabilidade e o jogo de intrigas tiram de cena o que há de positivo para serem valorizadas as fraquezas de cada parte. O litígio ganha ainda mais força na vaidosa disputa entre advogados. Ganha quem fica com mais posses, ainda que o filho do casal faça parte dessa intriga mesquinha.
A mudança de vida e de perspectivas que poderia ter sido revisitada e conversada antes ganha espaço. Os dois mudam de cidade e de estilos de vida. Passam a se respeitar mais, porém não se tornam, necessariamente, mais felizes ou completos com a separação. Se adaptam, seguem em frente e (re)descobrem que poderiam ter ouvido mais um ao outro. Charlie ocupado demais em ser um diretor de sucesso não ouviu os verdadeiros sonhos de Nicole. Ela, preocupada demais em agradar o marido e o filho, adiou seus sonhos até que não fossem mais negociáveis e a frieza e o sofrimento ocupassem todo o seu coração e criassem uma distância intransponível na relação.
O filme é um ótimo exemplo para todos nós, inclusive nós coaches que estimulamos as conversas e até a escuta que vai além das palavras, mas pode estar nos gestos e até no silêncio.
Assista o trailer, o filme e deixe seu comentário sobre a importância da escuta no seu relacionamento.
Eu assisti…Que bom o seu comentário
Me fez entender melhor o filme.
Muito boa a sua reflexão, Adriana. Obrigada por partilhar conosco!