
A mobilidade internacional se tornou uma das estratégias mais relevantes de expansão de negócios nas últimas décadas. Segundo o Relatório de Mobilidade Global da Mercer (2024), mais de dois terços das empresas multinacionais planejam flexibilizar seus programas de mobilidade nos próximos anos. Todavia, quando a mobilidade internacional é mal compreendida, organizações e famílias pagam caro.
Ao longo de anos de trabalho com executivos e suas famílias em mais de 20 países, testemunhei casos de líderes brilhantes que se julgavam “prontos” para missões internacionais apenas por dominar o idioma ou ocupar um cargo estratégico. A realidade, porém, é muito mais profunda: o sucesso global depende de inteligência emocional, maturidade cultural e apoio familiar estruturado.
Globalização: uma mudança de paradigma para os negócios
Há menos de meio século o mundo do trabalho era fundamentalmente local. A maioria das empresas operava no interior de fronteiras nacionais, os processos produtivos eram centralizados, as cadeias de valor eram lineares e as equipes, em grande parte, compostas por pessoas da mesma cultura ou, no máximo, de culturas próximas.
Após o fim da Guerra Fria, a década de 1990 marcou uma aceleração sem precedentes da globalização econômica. O volume do comércio internacional em proporção ao PIB global aumentou de forma contínua. Ao mesmo tempo, houve uma expansão significativa dos fluxos financeiros transfronteiriços e movimentos migratórios internacionais.

Nesse mesmo período, as cadeias globais de valor (CGV) consolidaram-se como o motor central da globalização. Nessas redes produtivas, diferentes etapas da fabricação de um bem ou serviço são distribuídas entre diversos países, de acordo com suas vantagens comparativas e níveis de especialização.
Segundo o Banco Mundial, cerca de metade do comércio mundial envolve hoje algum tipo de integração em CGV. A fragmentação internacional da produção permite reduzir custos médios de insumos e aumentar a eficiência, especialmente em setores de alta tecnologia e manufatura avançada.
Um exemplo emblemático é o iPhone, cuja cadeia produtiva envolve mais de 50 países.

Devido a esse novo paradigma, a necessidade de coordenar projetos e processos com equipes de outros países tem se tornado cada vez maior.
Globalização e fluxos migratórios
A entrada em vigor do Espaço Schengen, em 1995, transformou radicalmente a mobilidade dentro da Europa. Conforme comentado no artigo sobre Nova Gorica, as atuais “fronteiras líquidas” nas cidades europeias possibilitam que 2,1 milhões de pessoas trabalhem em um país europeu e residam noutro.
Esse fluxo constante de pessoas exige novas habilidades interculturais de líderes e equipes. Como resultado, o mundo corporativo contemporâneo é marcado por interações culturais complexas. Projetos são conduzidos entre escritórios localizados em diferentes fusos horários, com profissionais de cinco ou seis nacionalidades distintas. As tomadas de decisão envolvem interpretações culturais variadas sobre tempo, hierarquia e comunicação.
Apesar de possíveis dificuldades logísticas e culturais, dados da McKinsey indicam que a diversidade cultural possa melhorar a performance financeira de uma empresa.

Desafios para os profissionais
Em mudanças de país, um dos fatores mais desafiadores tende a ser o choque cultural. Segundo o antropólogo Kalervo Oberg (1954), o termo designa as reações emocionais e cognitivas que ocorrem quando uma pessoa se depara com um ambiente cultural desconhecido.
A sequência típica envolve quatro fases: entusiasmo inicial, frustração, ajustamento e integração – indicadas no gráfico abaixo.

Tempos atrás, entrevistei o embaixador brasileiro Marco Farani, o qual ressaltou que o choque cultural é significativo mesmo em regiões geograficamente ou lingüisticamente próximas. Um relatório do Parlamento Europeu confirma esta ideia. Segundo as autoras Vanessa Ludden e Angeli Jeyarajah, a fronteira entre Alemanha e República Tcheca é um destes casos. Relatos de alemães enfatizam diferenças culturais como a maior proximidade íntima, o pessimismo e a falta de pontualidade como dificuldades enfrentadas na República Tcheca.
Casos mais graves podem se aproximar da chamada Síndrome de Ulisses, retratada em um outro artigo.
Desafios para as famílias
O(a) cônjuge acompanhante enfrenta múltiplas frentes de adaptação: perder rede de apoio no país de origem, lidar com interrupção ou descontinuidade de carreira, e ajustar-se a um sistema de habitação, custo de vida e expectativas sociais diferentes.
Ao mesmo tempo, os filhos do(a) executivo(a) se deparam com mudanças de escola, idioma, círculo social e estrutura familiar que podem gerar instabilidade emocional ou de identidade. Além disso, mudanças no padrão de vida familiar podem impactar o bem-estar da criança e, por consequência, o ambiente familiar como um todo.
Inteligência cultural
A capacidade de se conectar genuinamente com as pessoas, respeitando suas experiências e culturas, tornou-se um dos maiores diferenciais competitivos do líder contemporâneo. Conforme comentado em outro artigo, a inteligência cultural está associada a cerca de 25% das diferenças observadas na eficácia da liderança internacional.
O mesmo estudo indica que para cargos em empresas multinacionais, a inteligência cultural chega a ser mais importante que o QI.

Também percebe-se que a inteligência cultural é a única soft skill com significância estatística (p-valor menor que 5%). Ou seja, não há evidências suficientes para dizer que a inteligência emocional ou o nível de extroversão influam na eficácia da liderança internacional.
Pode-se dizer que a inteligência cultural (IC) é a capacidade de interagir de forma eficaz e respeitosa com pessoas de diferentes culturas, adaptando-se a seus comportamentos, valores e práticas.
O papel do coaching transcultural
O coaching transcultural ajuda indivíduos e organizações a navegar em ambientes multiculturais. É uma metodologia que auxilia o coachee a perceber a cultura de outros povos, a notar similaridades entre múltiplas culturas, a lidar com os desafios da diversidade, e a conhecer melhor seus próprios valores e crenças.
Sendo assim, o coaching transcultural é uma abordagem essencial para tornar a experiência de empresários e executivos expatriados mais frutífera. Todavia, não deixa de ser importante para líderes que atuam na esfera internacional, delegações de políticos que precisem realizar reuniões no exterior, jornalistas, entre outros perfis.
Desta forma, o papel do coach transcultural é ajudar no desenvolvimento de competências de liderança global. Em especial, o coach deve auxiliar o coachee a compreender diferenças culturais e a desenvolver uma comunicação transcultural.
Quais competências um coach transcultural deve ter?
De acordo com o modelo “iceberg cultural”, é importante considerar aspectos que vão muito além da chamada “cultura superficial.” É provável, por exemplo, que um executivo saiba que na Espanha há certas comunidades autônomas que falam idiomas diferentes do espanhol. Da mesma forma, ele provavelmente reconhece elementos visíveis como culinária típica, estilos de vestuário ou festividades nacionais. Entretanto, é comum que líderes não conheçam suficientemente a “cultura profunda”, que orienta comportamentos e atitudes de equipes de outros países.

Embora alguns aspectos da “cultura profunda” de certos países possam ser amplamente conhecidos, um coach transcultural deve ajudar o coachee a enxergar nuances oriundas de diferenças regionais e da experiência de vida das equipes com as quais o coachee trabalha.
Sendo assim, um coach transcultural deve ter amplo conhecimento destas nuances. Apesar de que seja possível estudar atitudes e valores de diferentes culturas através dos livros, ter um coach com ampla experiência internacional faz a diferença.
Minha experiência internacional
Por enquanto conheço 38 países em sete continentes do mundo.

América do Sul: Argentina, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Uruguai
América Central: Cuba, Curação (território do Reino dos Países Baixos), Jamaica, Panamá
América do Norte: Canadá, Estados Unidos
África: África do Sul
Europa: Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Eslovênia, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Malta, Mônaco, Portugal, República Tcheca, Suíça, Turquia, Vaticano
Ásia: Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Japão, Malásia, Tailândia, Timor Leste
Oceania: Austrália
Por trabalho e turismo, tive a oportunidade de ver de perto diferenças significativas entre países geograficamente próximos.
Além de visitar países, e diferentes cidades no mesmo país, o coach transcultural deve fazer pesquisas com locais, turistas, pessoas que fazem negócios no país, acadêmicos e outros expatriados para compreender o ambiente. Isso somado a experiência pessoal enriquece o conhecimento, visto que o pequisador-coach está vivenciando na própria pele eventuais problemas e satisfações que podem ser vividas por um outro expatriado. No artigo “Pesquisa cultural em Istambul para a adaptação de executivos“, retrato como atuo neste tipo de pesquisa.
Nessa perspectiva, além dos estudos de história, geografia, comunicação; é fundamental que o Coach Transcultural seja empático, flexível, adaptável, analítico e capaz de perceber as nuances em profundidade.
Se quiser se tornar um Coach Transcultural, ou em receber uma proposta para si mesmo ou para sua empresa – mande um e-mail para coaching@adrianalombardo.com
