“American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace” está entre as séries mais comentadas de quem assina a Netflix. A segunda temporada é inspirada no livro-reportagem “Vulgar Favors: The Assassination of Gianni Versace”, de Maureen Orth.
O meu desejo de comentar a respeito dos episódios começou desde o primeiro, aliás me vi atraída pela chamada logo que vi o nome Versace na telinha da Netflix. Sou apaixonada por moda e empreendedorismo; coaching e valores; e assuntos internacionais. Dessa forma, a série, certamente, teria muito a me ensinar e fazer refletir sobre pontos importantes da vida de um ícone da moda.
Levantando de imediato uma crítica construtiva sobre o trabalho de Ryan Murphy, devo dizer que a produção é de primeira qualidade. A escolha do elenco formado pelos atores Darren Criss (Andrew Phillip Cunanan), Penélope Cruz (Donatella), Édgar Ramirez (Gianni Versace) e Ricky Martin (Antonio D’Amico, o namorado de Gianni), dificilmente, poderia ser melhor escolhido. Além da semelhança, a atuação é verossímil e atraente. Difícil é resistir ao desejo de não dormir, comer e tomar banho para assistir todos os episódios sem parar.
Embora a temporada não tenha sido construída com o apoio da família Versace, como acontece em várias obras póstumas, ela valoriza a construção da marca e do império de Gianni e é extremamente cuidadosa em apresentar os valores da família italiana.
O império criado por Gianni tem uma relação direta com os seus valores estimulados, desde sua infância, por sua mãe Francesca, como a autenticidade, o trabalho, o amor, o equilíbrio e a resiliência quanto às críticas. Do mesmo modo, o estilista repassa para a irmã Donatella, a sua coragem, força, disciplina e determinação para que ela também se sinta capaz de dar andamento aos negócios e fortalecer a sua própria carreira com ou sem a sua presença.
Se por um lado, os episódios mostram um pouco dos nobres valores da família Versace, ainda que sejam perceptíveis também as suas sombras, fica bastante claro que seu assassino teve uma infância mais rica financeiramente, porém bastante pobre no repasse de orientações essenciais para um futuro brilhante. Enquanto a Dona Francesca, mãe de Gianni, estimulava o amor ao trabalho; Modesto, o pai de Andrew, o incentivava ao ganho financeiro, independente do estudo e do desenvolvimento de competências. Para Modesto, se sentir especial era o caminho para atrair um futuro de riqueza e sucesso. Ele não poupava elogios e presentes ao filho, enquanto exercia violência psicológica com a esposa e os demais irmãos. Até mesmo, na tentativa de ser bom e motivador com o filho, ele exagerava nas expectativas e colocava pressão em Andrew para que fosse sempre destaque na escola e na vida.
O paralelo feito ao longo de vários episódios ressalta as marcas da família e a influência das duas diferentes criações nos resultados alcançados no trabalho e nos relacionamentos pessoais. A temporada destaca que enquanto Gianni criou o seu império, Andrew queria roubá-lo, destruí-lo e, finalmente, colocá-lo, literalmente, no chão, em frente à sua mansão, a casa Casarina, em Ocean Drive, a avenida mais badalada de Miami.
A temporada salienta que uma obsessão por grandeza e o desejo insaciável de ser amado fere vítima e fere assassino. Aliás, a temporada extermina o papel de assassino frio e coloca Andrew Cunanan também como vítima de sua própria história de vida.
Ainda que não fosse a intenção dos produtores, a temporada acaba sendo educativa e dando uma lição de como educar os filhos para que eles sejam fortes, honestos e trabalhadores ao invés de meros ambiciosos, fracos, drogados, invejosos e assassinos. Traz a educação e o amor ao trabalho, ao invés de “sentir-se especial”, como base para um futuro brilhante.
Vários episódios também salientam os mundos e submundos da droga, da intolerância, do julgamento, do preconceito, da homofobia e o quanto isso nos atinge. A polícia negligencia os crimes cometidos por Cunanam e não o prende, talvez porque ao matar homossexuais ele tivesse prestando um favor à sociedade. Ainda hoje, a homossexualidade é tratada com desrespeito, negligência e descaso. Os homossexuais são vistos como “farinha do mesmo saco” e não como indivíduos que podem ser bons, honestos, íntegros… como podem ser bandidos, criminosos, depravados; assim como qualquer heterossexual. O ambiente da polícia seja americana ou brasileira, ainda é muito conservador. É preciso um olhar que transcenda o preconceito e veja o talento, assim como foi possível perceber em Gianni, mas não somente no segmento da moda e no ambiente artístico. Mas, a temporada também ressalta que o preconceito, os julgamentos e os olhares maliciosos estão na polícia, mas também na sociedade.
Se tenho alguma crítica ao seriado?! Tenho. Acho que o nome deveria ser menos marqueteiro: “Andrew Cunanan: o assassino de Gianni Versace”, ao invés de, “O assassinato de Gianni Versace”. A mudança daria mais autenticidade para a obra, que conta muito mais a história de Cunanan do que aquela do amado Versace.
Como Coach, ainda que não tenha visto tanto quanto eu queria ver da história do Gianni, assisti todos os episódios com ansiedade por conhecer mais a vida do assassino e fazer reflexões importantes sobre a criação de um modo geral, seja de uma empresa, produto, ou estilo de vida; e a criação no âmbito familiar. Elas estão intimamente relacionadas.
Acredito, ainda, que o destino de Andrew que se matou oito dias após o assassinato de Versace poderia ter sido outro, se seu pai tivesse repassado valores éticos; se sua mãe tivesse conseguido se empoderar por meio de grupos de apoio; se seus irmãos tivessem percebido a influência negativa do pai sobre todos eles e buscassem juntos reequilibrar a família; se um professor, um amigo, alguém… tivesse conseguido resgatá-lo das drogas e de um mundo preso a luxúrias. Algumas histórias começam tristes como a dele, mas com apoio social se desenrolam de uma maneira mais positiva ao invés de destrutiva. O abandono no caso do Andrew começou muito precoce. Ao ver sua mãe ser vítima de violência psicológica pelo marido, ele escolheu o lado dos que humilham ao lado dos oprimidos, sem perceber que se tornou uma triste mistura dos dois. Sem atenção a essas dores que nos rodeiam, às violências de todos os tipos que nos cercam, sejam elas físicas ou psicológicas, fica difícil evitar que outros crimes assim aconteçam.
☝Cara Adriana,
Que texto revelador dos valores culturais e socioemocionais da família Versace, com precisão na percepção q confere leitura instigante de uma realidade que somos figurantes!!
Recomendo seu texto para conversas e debates, muito enriquecedor! Parabéns Amiga!!👏🏻👏🏻👏🏻
Ivonice e Adriana, fiquei instigada a ler o texto. Uma análise profunda e que nos leva a querer ver toda a série sob esses pontos de vista que você levantou. Isto é enriquecedor. Sim, acho ótima a ideia de assistirmos à série, como também pesquisar mais e debater. Você, Adriana, falou do empoderamento da mãe, que é base de toda estrutura familiar.
Seu texto é de uma clareza e de uma profundidade que nos faz querer saber mais.
Uma leitura que não cansa. Cada linha é rica em seu conteúdo. Parabéns!
Muito interessante, fiquei curiosa para assistir.